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Brasil, Estado laico?


 * Por Leandro Priori
             
           Sou contrário à ostentação de símbolos que representem qualquer manifestação ou credo religioso em áreas que deveriam pertencer a todo e qualquer cidadão, ou que estes deveriam sentir-se como sendo verdadeiros representados naquele local com total imparcialidade e isenção, ou, onde deveriam manifestar sua liberdade de religião e crença e exercitar sua tolerância; ou, como queira, áreas públicas. Porque são do Estado, um Estado de Direito e Democrático. E o Estado não deveria ser o sujeito da fé, instituições e aí se inclui o Estado, não podem “ter fé”, mas podem promovê-la ou manifestá-la, através de seus agentes e mecanismos. E, sendo laico pela sua Constituição, deveria respeitar a diversidade de crenças de cada cidadão, estes sim com direito a manifestar sua liberdade religiosa sem a influência ou interferência do Estado. Mas o que se vê não é exatamente esta isenção. A neutralidade do Estado é posta em cheque quando observamos a clara escolha por esta ou “aquela” religião como a preferida. Aliás, quando falamos dos referidos símbolos, falamos de crucifixos nos tribunais, câmaras, prefeituras e palácios, de imagens de esculturas (predominantemente católicos romanos) espalhados pelos hospitais públicos, pelas escolas públicas, praças e etc.
            É preciso refletir sim quando vemos o senhor Ives Gandra Martins dizendo:
         
          “O certo, todavia, é que se faz necessário, de uma vez por todas, deixar clara uma coisa: ‘Estado laico’ não significa que aquele que não acredita em Deus tenha direito de impor sua maneira de ser, de opinar e de defender a democracia”.[1]  

            E talvez concordar e lembrar que a recíproca pode ser verdadeira e que os que crêem em estátuas, crucifixos e num Estado atrelado à religião que outrora foi a oficial, a única permitida e opressora, continuem exteriorizando esta “maneira de ser, de opinar e de defender a democracia”. Desde que não mexam nos seus símbolos, desde que no Estado continue na prática a se demonstrar simbolicamente a fé na “religião estatal”. Até porque religião e Estado são sim perfeitamente unificados para estes religiosos especificamente, uma vez que o Vaticano é visto como um Estado-Religioso e o Papa é considerado chefe de Estado. Não podemos é assistir pacificamente o nosso país manter viva uma injustiça praticada por séculos, onde se favorecia ou preferia um e se proibia e perseguia o outro.
            Defendo aqui, não a ausência de Deus no Estado - afinal sou cristão - mas que cada cidadão tenha o direito de se sentir em um Estado imparcial, que não apresenta com tanta clareza sua “preferência” religiosa.
            Que nossas crianças, quando entrarem numa escola pública, não se sintam diferentes da “maioria” porque, logo ali na entrada, existe uma estátua enorme que diz respeito à fé que oprimiu seus pais, num tempo de perseguição e opressão. E que se sintam livres para aprender a expressar a forma que crêem e a respeitar seus colegas que também podem se expressar assim, individualmente, sem o favorecimento de nossas instituições públicas. Que os responsáveis por ensinar estes padrões religiosos ético-morais, sejam a família, as instituições religiosas e sua própria consciência e direito de escolha. Que o Estado, como instituição, reconheça não ser um agente de favorecimento religioso, por mais ética e boa que seja a religião ‘preferida’.
            Que um judeu, muçulmano, ou qualquer cidadão que professe qualquer fé, ou que não a professe. Quando se assentar em frente a um juiz para ouvir a sua sentença após seu julgamento, possa se sentir em um Estado realmente laico, e não que esteja diante de símbolos religiosos, quaisquer que sejam, e que possam levantar em seu coração, a influência que esta preferência do Estado pode ter tido em seu julgamento.
            Vejo ainda protestantes, que ao invés de desejarem um Estado isento, almejam fazer parte do mesmo, e achando que os fins justificariam os meios, quando conseguem uma pequena abertura neste poder, perdem a noção de que Deus transforma os corações, e que as instituições, mesmo sendo formadas por pessoas, são destituídas de coração. Os corações que ali co-habitam, cada um deles pertence a um ser individual e Deus os conhece pessoalmente, não com essa consciência coletiva. Esquecemos que o poder exercido desta forma, não raras vezes é ato de exclusão. E vemos então notícias e leis como estas:
1) “Um projeto aprovado pelos deputados da Assembléia Legislativa da Paraíba fará com que antes de cada sessão os parlamentares tenham cinco minutos para ‘refletir sobre a Bíblia’”[2]
2) Artigo 46 do Regimento da Assembléia Nacional Constituinte (ANC) de 1987/1988, que dispõe: “A Bíblia Sagrada deverá ficar sobre a mesa da Assembléia Nacional Constituinte, à disposição de quem dela quiser fazer uso”.
            Oportunidade para refletirmos como, na menor abertura, queremos sobrepujar o outro. Diante de uma pequena chance pensamos em tirar as imagens, mas colocar nossas Bíblias. É um poder que corrompe e repito, exclui. E os direitos individuais não podem ser suprimidos em nome de uma “democracia”, senão criaremos sempre uma minoria oprimida.
            Se para termos a leve sensação de espiritualidade, de temor a uma divindade, ou de ética e de princípios morais elevados, precisamos de crucifixos, de estátuas, ou de livros abertos que simbolizem estas coisas, nestes corações já não habita o Senhor Jesus, filho de um Deus Pai que “procura adoradores em espírito e em verdade”, “que não habita em templos feitos por mãos humanas”, “que não tinha beleza nem formosura”, de um Deus que “É o que É”. Estes princípios, e sensações e espiritualidade nascem no interior, não pode haver nada externo que nos remeta a estas coisas senão é idolatria. Mas falando de direito, é forma de oprimir; não gera vida, mata.

Leandro Priori.



Bibliografia:
- Bíblia de Jerusalém. Edição de 1998 - Revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 2002. 2206p
- CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e política. Teoria bíblica e prática histórica. Viçosa: Ultimato, 2002. 288p.
- FRESTON, Paul. Religião e política, sim. Igreja e Estado, não. Os evangélicos e a participação política. Viçosa: Ultimato, 2006. 200p.
- NUNES, Dimas. A igreja e as leis. Brasilia: Lerban - Livraria Editora Renovação Batista Nacional, 2005. 126p.
- Artigo de Ives Gandra Martins.  Jornal do Brasil – 02/01/2007.
acesso em 10/08/2009.
- Regimento da Assembléia Nacional Constituinte (ANC) de 1987/1988.



[1] Artigo de Ives Gandra Martins.  Jornal do Brasil – 02/01/2007

Um comentário:

potiguara disse...

Concordo que o estado seja laico. Só acho estranho às vezes que o fato de ser laico seja confundido com ser ateu. É muito aceitável o fato de não haver símbolos religiosos nas instituições públicas,desde que seus usuários, ou os réus nos tribunais não sejam impedidos de manifestar sua fé, inclusive carregando os símbolos religiosos que acreditem. Por exemplo, nas escolas e universidades os crucifixos, quipás, burcas e etc, não podem ter seu uso vetado.
Abraços!