Passos para tornar-se um/a pastor/a bem sucedido/a
Sou
pastor metodista há quinze anos, ordenado há dez. Participei como
membro clérigo de sete Concílios da IV Região Eclesiástica (Minas e
Espírito Santo) e visitei – pela primeira vez e por um dia – um Concílio
Geral (2006). Imaginei-me aconselhando um jovem para tornar-se um
pastor “bem sucedido” na nossa Igreja Metodista.
Já fiz isso em
outras ocasiões – a última vez há seis anos – e não incluí na conversa o
adjetivo “bem sucedido” porque eu achava que pastorado não combinava
com “sucesso”. Mas eu estava enganado. Os tempos são outros! Por isso,
mudaria minhas orientações.
Primeiro passo: Seja esperto. Você já
está com 25 anos e sem perspectiva de vida. Não consegue entrar para
universidade pública, não tem um bom emprego. É um bom rapaz, apesar de
ser um pouco preguiçoso. Não quer ser pastor? Veja, que alternativa você
tem? O mercado de trabalho não vai te absorver tão cedo! Como pastor
solteiro você terá, de cara, salário, casa, água, luz, ajuda para
transporte, plano de saúde e até seguro de vida. Chamado? Deus já te
chamou, rapaz! Só você não percebeu. Olhe as circunstâncias. Olhe as
suas necessidades. O mundo está cada vez mais religioso e nós,
evangélicos, estamos crescendo neste país. Você vai ficar de fora? Pense
bem!
Segundo passo: Apareça. Agora que Deus te chamou, você vai
precisar da recomendação da igreja local. É importante que você tenha
visibilidade na comunidade. Se você toca algum instrumento, ótimo! Se
não, cante no ministério do louvor. É um ministério concorrido, mas eu
garanto que para você não haverá escala – você “ministrará” em todos os
cultos. Entenda por “ministração” aquela falação entre uma música e
outra, com chavões indispensáveis para impressionar a congregação e
alguns gemidos com mudança da voz. Mas não se preocupe. É só a gente
arranjar alguns dvds de ministérios de louvor famosos e você aprende
tudo em duas horas. Aliás, guarde bem o que te digo agora: sempre que
puder compre cds e dvds de músicas evangélicas. Esteja por dentro de
tudo sobre o “mundo gospel”. Se tiver de escolher entre comprar um livro
ou um cd, nunca hesite: compre o cd, ele te ajudará mais. Voltando para
a questão da visibilidade, devo te exortar: nunca apareça na
congregação da periferia ou da zona rural, nunca apareça no hospital
para visitar os enfermos, nunca apareça na cadeia para visitar os
presos, nunca apareça na casa dos irmãos para visitá-los – mesmo se
estiverem enfermos ou forem idosos, nunca apareça nas atividades dos
ministérios que trabalham com proclamação, evangelização, missões ou
ação social. Nada disso dá ibope, meu filho! Lembre-se: você precisa da
recomendação para ingresso no pré-teológico. Com menos de um ano,
aparecendo assim como estou orientando, garanto que toda comunidade
votará favorável a você.
Terceiro passo: Seja dissimulado. No
pré-teológico você será avaliado para ver se tem condições de entrar
para Faculdade de Teologia. Você terá de ler os textos indicados e
freqüentar todas as reuniões. Como ninguém te conhece e ao final de um
ano você terá passado algumas horas com outros candidatos e uns
professores, dá para enganar. Não fale demais. Ouça com atenção. Em
qualquer discussão, nunca seja o primeiro a falar; preste atenção nas
falas e tente concordar com todos, passando uma impressão de conciliador
– no popular, “em cima do muro”. Tente passar a imagem de que você é
estudioso. Na entrevista com o diretor mostre firmeza e certeza do seu
chamado. Na entrevista com a psicóloga, cuide para revelar-se liberal
especialmente se houver perguntas sobre sexualidade. Depois, virá o
vestibular, que não é um “bicho de sete cabeças”. Ah, é preciso contar
com a sorte também!
Quarto passo: Seja um
louco-irresponsável-puxa-saco. Você vai estudar quatro anos na Faculdade
de Teologia em São Bernardo do Campo. Aproveite bem esse tempo, ele não
volta mais. Mas aproveite do modo certo. Primeiro, liberte-se do
mundinho de moralidade que foi sua igreja local e sua família. Esteja
aberto a qualquer experiência sexual ou com drogas que te traga prazer
ou te faça “transcender”. Quem sabe você fará a grande descoberta de que
está “no armário” e precisa sair dele. Ou, se não for o seu caso, e
tiver sorte, consiga casar-se para “legalizar” o “relacionamento”.
Busque todo prazer e arranje uma teologia para justificar esse modo de
vida. Cuide para não se viciar, porque depois de quatro anos você
retornará à sua região de origem para ser pastor. Segundo, não estude.
Ou, como se fala em todos os tempos, “pique o fumo”. Aluno de Teologia
não é reprovado. E o que importa é o diploma de Bacharel em Teologia que
você exibirá orgulhosamente em alguma parede. Então, seja medíocre
mesmo. Tenha a honra de dizer o que disse um aluno no culto de formatura
para um amigo meu há quatro anos: “terminei o curso de Teologia e não
li quatro livros inteiros”. Ou o orgulho de tantos outros que passaram
por lá e hoje dizem de boca cheia: “passei pela Faculdade mas ela não
passou por mim”. Terceiro, comece a treinar a habilidade de “puxar saco”
de quem está acima de você: professores, reitores, componentes de
conselho diretores, superintendentes distritais, bispos. Você terá
muitos concorrentes nesse treinamento, mas esmere-se, porque seu futuro
vai depender disso.
Quinto passo: Seja um gerente. Agora você vai
assumir sua primeira igreja. O material para sua leitura diária deve ser
tudo que você conseguiu juntar sobre estrutura e funcionamento da
igreja, administração e liderança. Se possível, faça alguns cursos
rápidos como: vendas, porque o Evangelho que você vai pregar é como um
produto que precisa ser apresentado convincentemente para ser comprado;
marketing, porque sua igreja vai precisar criar necessidades nas pessoas
para freqüentarem os cultos. Faça seminários de fins de semana com os
pastores de sucesso sobre como dobrar a arrecadação da sua igreja.
Enfim, existem cursos e farto material para transformar você num grande
manager. Porque o que importará quando você for avaliado será o
“resultado”, que é culto lotado de gente e aumento da arrecadação –
obviamente não como fruto da fidelidade a Deus, mas por sua habilidade
gerencial.
Sexto passo: Seja um líder ditador. A membresia da Igreja
Metodista não admite um/a pastor/a que ouve, é democrático, é
conciliador e não abre mão de presidir, dirigir a comunidade. Ela
prefere um/a pastor/a “banana”, aquele/a que não dirige nada, não se
posiciona e deixa a comunidade na mão de um grupinho “que faz” – desde
que tenha algum poder de influência, seja econômico ou de conhecimento –
ou prefere um/a pastor/a ditador/a, aquele/a que centraliza tudo, não
ouve, manda, faz a agenda para seus “súditos” cumprirem. Prefira, jovem,
ser o ditador. Combina mais com o quinto passo dado. Aliás, apesar da
ditadura ter acabado no Brasil há mais de vinte anos, ela está de volta
na América Latina com uma nova roupagem, arrancando elogios de muitos
“democratas”!
Sétimo passo: Seja um animador de altar. Você será um
palrador, um tagarela, mas nunca um pregador. Esse “tipo” de pastor/a,
que ainda teima em pregar a Bíblia, está fora de moda, vai acabar. Para
ser um bom animador de altar, ou palco – algumas igrejas já não têm
altares – é preciso: Primeiro, ter um bom grupo de louvor. Leia de novo o
segundo passo nomeado “apareça”. Esse grupo será tão importante que
muitas vezes você nem terá o trabalho de falar; as pessoas vão “sentir”
Deus e vão ficar na sua igreja. Segundo, não preocupar-se com a Bíblia.
Ela, a Bíblia, é sua grande desconhecida. Você nunca a leu toda. Ela vai
te servir como material decorativo e algumas vezes como amuleto. Mas,
antes de falar, leia um texto ainda que você nada fale sobre ele. E se
por acaso for falar sobre algum texto, não se importe com o contexto em
que foi escrito. Leia os fatos históricos do Antigo Testamento sempre
como analogia para interesses individualistas da sua congregação e
transforme Jesus Cristo num grande milagreiro como fazem os tagarelas da
confissão positiva e teologia da prosperidade. Uma boa mensagem também é
aquela retirada de manuais de auto-ajuda. Você pode ler um salmo como
pretexto para tagarelar e vai fazer um grande sucesso se aprender a
psicologizar sua tagarelice. Mas cuidado. Evite os versículos de lamento
e confissão de pecado. Terceiro, usar “chavões” e berros para
impressionar a congregação. Preste atenção: até a saudação já virou um
chavão e um identificador do “pregador ungido”. Se você disser um “boa
noite” no lugar de um “a paz do Senhor” corre o risco de não ganhar a
simpatia dos fiéis. Ao ler qualquer texto e em qualquer falação use
estas palavras (e os verbos correspondentes): unção, vitória, alegria,
glória, conquista, promessa, saúde, cura, prosperidade, diabo, bênção,
maldição, etc... Se você agüentar tagarelar aos berros, melhor. Se não,
guarde-os para as frases de efeito, por meio das quais você convencerá
os ouvintes. Aí você os verá levantando as mãos, dizendo “amém” e
“aleluia”, batendo palmas, mesmo que tenham acabado de ouvir uma grande
bobagem.
Oitavo passo: Celebre os sacramentos a seu bel prazer. Nunca
use qualquer ritual para tais celebrações. Tire tudo da sua cabeça sob a
inspiração do momento, pois o que mais vale é a espontaneidade! Que a
Ceia do Senhor não seja mais que um pequeno “anexo” ao final de um culto
que teve mais de uma hora de “louvor” e mais uma de tagarelice. Quanto
ao Batismo, atenção! Não estude com os/as batizandos/as sobre conteúdo e
forma desse sacramento. Apenas pergunte de que jeito ele/a quer ser
batizado: aspersão, imersão ou derramamento? Sobre a administração do
mesmo às crianças, faça o que você achar melhor. Há pastores que
batizam. Há outros que não batizam e pregam contra o batismo de
crianças. E todos são metodistas! A Igreja Metodista aprovou a
participação das crianças na Ceia do Senhor desde o início dos anos 90. E
o fez porque sempre recebeu as crianças no Corpo visível de Cristo – a
igreja local – por meio do Batismo. Por serem batizadas, as crianças são
convidadas à Mesa do Senhor. Contudo, a falta de Batismo para crianças
fez surgir uma prática que não existe em nenhuma Igreja Cristã séria na
face da Terra: a participação de não batizados/as na Santa Ceia. A
Igreja Metodista foi muito responsável ao trabalhar a inclusão das
crianças por meio dos únicos sacramentos por ela celebrados. Mas, se
pastores/as e pais excluem as crianças do Batismo, com que consciência
admitem a participação delas na Ceia? Não é uma questão teológica séria?
Mas não se preocupe, jovem candidato ao ministério! Isso é demais para
sua cabeça! Se você não entende e nem se importa, como vai ensinar?
Deixe as coisas como estão. Sacramentos têm a ver com a história e a
tradição cristãs. Mas, hoje, quem se interessa por isso?
Nono passo:
Seja sectário. Você está proibido de ler, pelo menos, três textos de J.
Wesley: “Carta a um Católico Romano” e os sermões “Contra o Sectarismo” e
“O Espírito Católico”. Demarque bem a linha divisória dos que “são
abençoados” e dos que “não são abençoados”, justificando que você e sua
igreja receberam uma “nova unção” que outras igrejas não têm e que por
isso todos devem vir para a “sua” igreja se quiserem ser “abençoados”.
Não esqueça de gastar bastante tempo em suas tagarelices falando contra a
Igreja Católica. Seja anti-católico como um apaixonado torcedor de
futebol torce contra o time adversário. Alimente o anti-catolicismo com
as histórias de perseguição sofridas pelos nossos antepassados
protestantes, de tal maneira que gere entre os fiéis rancor, ódio e sede
de vingança. Você vai contribuir para a intolerância crescente dos dias
atuais.
Décimo passo: Guarde os pecados alheios como “trunfos na
manga”. A Igreja de Cristo é santa e pecadora. Homens e mulheres são
pecadores/as salvos pela Graça de Deus. No decorrer do seu trabalho
muitos serão os pecados que você cometerá e que outros cometerão contra
você. E você sabe que Deus perdoa pecados. Ele, em Cristo, reconciliou
consigo o mundo. Mas como essa conversa sobre perdão é para gente
simples e humilde, que não perdeu o coração, então esqueça. Você estará
em outro nível, rapaz. Deus perdoa, mas você não! Pelo contrário,
revide, vingue! E como muitas vezes não dá para revidar ou vingar na
hora, então guarde os pecados dos outros como “trunfos na manga”. Mais
tarde você vai usá-los. Para você, jovem, que deseja ter sucesso e
crescer, aprenda cedo esse “jogo” do poder. É o que os antigos chamavam
de ter “rabo-preso”: manter pessoas sob controle pelo conhecimento que
se tem de pecados do passado ou do presente. Só tenha cuidado para não
descobrirem os seus pecados também. Mas se descobrirem-nos, não se
afobe. Você apenas estará no círculo de pessoas que têm “rabos-presos”
umas com as outras. É só fingir que está tudo bem e todos se mantêm como
estão!
Décimo-primeiro passo: Busque os seus direitos. Se algum dia
você se sentir ofendido ou injustiçado, busque seus direitos. Mas
lembre-se: você não perdoa, não há possibilidade de reconciliação, você
não pode “sair perdendo”. Quem “pisar na bola” com você vai pagar caro. E
não adianta tentar resolver o problema “entre os santos” (haverá
algum?) como o apóstolo Paulo aconselha. Vá para a justiça comum. Vá
para a mídia escrita e televisiva – de preferência com repercussão
nacional. A má fama das igrejas evangélicas no Brasil e a formação
secularizada de muitos juízes são dois fatos que te farão sair em
vantagem em qualquer processo. Você poderá até ganhar uma boa grana!
Depois de todo estardalhaço vão reconhecer que você é corajoso. Então
você volta ao “seio da amada igreja” ainda mais forte com a testa
escrita “cuidado, não mexam comigo!”
Pode ser que a lista de passos a
serem dados para você se tornar um pastor metodista de sucesso seja bem
maior, mas vou ficando por aqui.
Agora, se tudo isso não enche os
seus olhos, rapaz, há um outro caminho. E te digo de uma vez que é
estreito e espinhoso. Quer saber?
Você terá de receber o chamado de
Deus para aventurar-se na vida sacerdotal e ministerial. Você terá
certeza do chamado. Junto com a certeza você terá dúvida. A dúvida será
fruto do sentimento de indignidade, de incapacidade e inadequação: “Eu
não sei falar”, “Eu sou o menor na casa de meu pai”, “Não passo de uma
criança”, “Ai de mim, estou perdido, sou homem de lábios impuros”... A
dúvida estará presente sempre, podendo chegar ao ponto de você dizer
“fui enganado” ou “persuadido” ou “seduzido” por Deus, “já não falarei
no seu nome”. Seu inimigo não será a dúvida, mas o medo. Por isso,
necessário será ouvir dEle continuamente: “Não temas, eu estou contigo!”
Você terá de ser você mesmo, se assumindo como “pecador salvo pela graça de Deus”.
Você terá de ser normal, responsável e aberto para amizades saudáveis.
Você
terá de ser fiel àquelas tarefas que um/a pastor/a deve fazer sem que
ninguém veja: a oração, a leitura da Palavra e a orientação espiritual.
Você
terá de trabalhar como cooperador de Deus, “plantando e regando” e
deixando por conta dEle o “crescimento”. Como canta o grupo Logos “até
porque resultados não são o indicador verdadeiro de aprovação. Há quem
curou e o diabo expulsou mas Jesus nunca o conheceu” (do cd “Conteúdo”).
Você
terá de celebrar os sacramentos e pregar a Palavra de Deus tendo a
tradição e a história cristãs como instrumentos de inspiração e
avaliação para a caminhada de hoje, sem ser denominacionalista – como
aqueles que se arrogam ser os “mais metodistas” – nem sectarista – como
aqueles que se sentem “donos” da salvação.
Você terá de perdoar os
que te prejudicarem, assim como você tem sido perdoado por Deus em
Cristo Jesus. Isso vai depender de você se colocar humildemente diante
do Pai e abrir-se ao poder curador de sua Graça, desistindo do “direito
de não perdoar”, como dizia o Dr. David Seamands. Não é fácil,
especialmente se você for “ferido na casa de amigos”.
Como você pode
ver, jovem, o que precisamos fazer é conseqüência da Graça de Deus
revelada em Cristo e atualizada em nós pelo Espírito Santo.
Esse
caminho é bem mais difícil por causa do nosso afastamento de Deus, da
nossa autoconfiança, da nossa soberba, da nossa sede de poder, da nossa
busca de reconhecimento a todo custo, do abandono da nossa condição de
pecadores/as, e tantos outros tropeços, buracos, curvas que nós mesmos
acrescentamos ao caminho.
E o “prêmio” desse caminho não é “o sucesso”. Quem nele seguirá?
“Porque
a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com
santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria humana, mas na graça
divina, temos vivido no mundo, e mais especialmente para convosco.”
(Paulo – 2 Co 1.12)
“Ora, o Deus de toda graça, que em Cristo vos
chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, ele
mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortalecer e fundamentar. A ele
seja o domínio, pelos séculos dos séculos. Amém.” (Pedro – 1 Pe 5.10,11)
Maurício C. Ramaldes Guimarães.